sexta-feira, maio 28, 2010

Educação em debate

TENDÊNCIAS/DEBATES

A educação mobilizando o Brasil

MILÚ VILLELA e MOZART NEVES RAMOS

FOLHA DE SÃO PAULO 24-05-2010


Uma coisa é certa: o grande salto na educação do Brasil só ocorrerá quando houver a valorização definitiva do trabalho dos professores



Vai ficando cada vez mais evidente que o próximo desafio para o país é a oferta de educação de qualidade para todos os brasileiros.
Hoje, é consenso que, sem educação, será difícil alinhar o desenvolvimento econômico e os ventos de prosperidade a uma mudança sustentável no campo social.
Somente a educação é capaz de promover a construção de um país mais justo para todos. Segundo o economista da Fundação Getulio Vargas (RJ) Marcelo Néri, membro do movimento Todos pela Educação, cada ano de estudo produz um impacto de 15% na renda média do trabalhador brasileiro.
O Brasil deslancha na economia, tornando-se cada vez mais um porto seguro para novos investimentos estrangeiros. As janelas de oportunidades criadas por essa economia próspera, entretanto, não serão devidamente aproveitadas por nossos jovens, por conta da baixa qualidade do ensino.
Se, no passado, havia falta de oportunidades de emprego no mercado de trabalho, agora há falta de gente qualificada para aproveitá-las. A precariedade do ensino parece ser o grande entrave para o crescimento sustentável do Brasil.
Por essa razão, os vários segmentos da sociedade estão cada vez mais engajados na causa educacional. A atmosfera de mobilização nacional em prol da universalização da educação de qualidade vem se fortalecendo a cada dia, desde o surgimento do movimento Todos pela Educação, com o apoio decisivo dos meios de comunicação.
Com cinco metas claras para a educação brasileira, o Todos pela Educação vem abrindo novas frentes de participação social; setores que, antes, só se preocupavam com a causa da educação de qualidade, agora participam ativamente.
Antes mesmo da confirmação oficial dos candidatos à Presidência da República, diferentes setores da sociedade civil, todos engajados na mesma causa, já começam a preparar propostas e documentos que possam contribuir para que a educação dê um salto de qualidade nos próximos anos, aproveitando as conquistas alcançadas até aqui.
O próprio Todos pela Educação, junto com outras entidades vinculadas à área de educação, vem trabalhando numa carta-compromisso a ser entregue aos candidatos à Presidência da República, aos governos estaduais e ao Congresso.
Uma coisa é certa e parece unânime em todas as frentes engajadas pela educação de qualidade: o grande salto na educação só ocorrerá quando o país definitivamente valorizar os seus professores, o que é fundamental para atrair os jovens mais talentosos e preparados do ensino médio para o magistério.
E a receita para isso já é bem conhecida: salários iniciais atraentes, carreira promissora, formação inicial sólida e condições de trabalho apropriadas. Foi assim que fizeram os países que estão no topo da educação mundial.
Todo esse movimento sinaliza um tempo de forte mobilização pela educação. Há quatro anos atrás, o Todos pela Educação tinha um sonho, o de ver este país mobilizado, engajado nessa causa. Esse sonho começa a se materializar. Para o bem do país e da manutenção de nosso vigor econômico.


MILÚ VILLELA é membro fundador do movimento Todos pela Educação, presidente do Instituto Faça Parte, do Centro de Voluntariado de São Paulo e embaixadora da Boa Vontade da Unesco.
MOZART NEVES RAMOS é presidente-executivo do movimento Todos pela Educação.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

São Paulo testa pontos da reforma feita em Nova York

FOLHA DE SÃO PAULO 24-05-2010

Projeto-piloto implantado na zona leste pela Fundação Itaú Social estimula a atuação dos pais no cotidiano escolar

Programa experimental é desenvolvido em dez escolas; professores têm apoio de tutores para preparar as aulas

ENVIADO A NOVA YORK

O modelo de Nova York dificilmente seria implementado em escolas brasileiras, mas especialistas defendem que alguns pontos podem inspirar políticas locais.
Algumas medidas já estão em teste em dez escolas estaduais da zona leste de São Paulo, em projeto-piloto da Fundação Itaú Social e do Instituto Fernand Braudel.
Nessas unidades, foi criado o cargo de coordenador de pais, para estimular a participação das famílias no cotidiano escolar, e professores passaram a ter apoio de tutores no preparo das aulas.
O projeto começou no ano passado e, por isso, ainda não há avaliações externas que comprovem sua eficácia, mas o vice-presidente da Fundação Itaú Social, Antonio Matias, diz que os resultados são animadores.
A autonomia de diretores para remanejar verba e pessoal é outro aspecto proposto, mas a aplicação no Brasil depende de mudança na lei.
Tampouco seria fácil fechar escolas com maus resultados. Antes disso, seria preciso dar mais poderes e preparar diretores para assumirem um novo papel.
Paula Louzano, doutora em educação pela Universidade Harvard, é cética quanto ao afastamento de docentes com desempenho ruim. Ela lembra que há, no Brasil, deficit de profissionais, e não haveria gente qualificada para ocupar os postos vagos.

Premiar e punir

Nova York tenta choque de gestão em escolas ; diretores têm autonomia para gerenciar verbas e contratar professores, mas, se alunos forem mal avaliados, colégios podem até mesmo ser fechados

FOLHA DE SÃO PAULO 24-05-2010

Gilberto Tadday/Folha Imagem
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/images/sa2405201001.jpg


Alunos dançam em colégio do Bronx que está entre os 20% melhores de Nova York

ANTÔNIO GOIS
ENVIADO ESPECIAL A NOVA YORK

Quando o diretor Kenneth Baum, 44, diz que é extremamente seletivo na hora de contratar professores, convém levá-lo a sério. Que o diga Thomas Zavrel, 28, sabatinado por cinco horas antes de ser aceito para o cargo.
A cena, rara até em escolas particulares, ganha relevância por acontecer numa escola pública no Bronx, bairro mais pobre de Nova York.
O que Baum procura em horas de entrevistas não são professores experientes. O mais importante, diz, é ter certeza de que serão receptivos a críticas e sugestões.
"Minha função é ajudar os professores a fazerem um trabalho melhor. Podem ser pessoas muito inteligentes e preparadas, mas, se sentirmos que não estarão dispostos a conversar, não vamos contratá-los", diz.
Isso explica por que sua equipe é formada majoritariamente por jovens, quase todos com menos de 30 anos.
A estratégia vem dando certo. Mesmo com 92% dos alunos (quase todos negros ou latinos) incluídos em critérios americanos de pobreza, o desempenho em matemática colocou a escola entre as 20% melhores da cidade.
Para entender como Baum teve liberdade para apostar numa tática ousada, é preciso considerar uma série de mudanças que vêm acontecendo na cidade desde que Michael Bloomberg, bilionário das telecomunicações, assumiu a prefeitura, em 2002.
Bloomberg deu a diretores autonomia como nunca antes tiveram para administrar verbas e contratar e afastar professores.
Em compensação, todas as escolas são avaliadas e precisam mostrar resultados. Se forem bons, há recompensas financeiras, inclusive bônus nos salários.
Em casos negativos, a escola pode ser até fechada, destino já dado a 91 dos 1.600 estabelecimentos da rede. Os alunos são então transferidos ou voltam a estudar no mesmo prédio, mas com uma equipe diferente.

RESULTADOS
Desde que as mudanças começaram a ser implementadas, as taxas de conclusão do ensino médio, após uma década de estagnação, cresceram de 51% em 2002 para 68% em 2009.
Mas a pressão por resultados traz também efeitos indesejados. Nas escolas com fraco desempenho, professores relatam um ambiente por vezes insuportável entre os diretores e a equipe, em que uns jogam a culpa nos outros pelo mau resultado.
Laura Stevenson, 27, por exemplo, trocou uma escola dessas pela de Baum, no Bronx. "Faltava critério na avaliação que era feita do nosso trabalho. Não havia orientação, apenas cobrança. Aqui, a gente sabe exatamente o que a direção espera de nós, e as críticas são feitas com clareza", diz.
Uma das queixas mais recorrentes à reforma de Nova York é ter criado uma estratégia para fechar escolas ruins, mas não para apoiá-las.
O secretário municipal da Educação de Nova York, Joel Klein, argumenta que a prefeitura deu instrumentos para os diretores controlarem seus destinos.
"Várias ações são desenvolvidas antes de fechar, incluindo treinamento de professores e apoio de organizações contratadas para ajudá-los na gestão. Mas, em casos crônicos, a melhor alternativa, para o bem dos alunos, é fechar", disse Klein à Folha.

DEMISSÕES
A experiência de Nova York mostra, no entanto, que mais difícil do que fechar escolas é demitir professores.
A prefeitura aumentou o quadro de advogados para acelerar processos e tentou uma medida radical: docentes com rendimento insatisfatório ou acusados de graves violações eram afastados, mas obrigados a comparecer a salas administrativas onde não recebiam função nenhuma.
Muitos jogavam cartas, outros dormiam, alguns faziam ginástica para passar o tempo, enquanto esperavam seus processos serem julgados. Nos últimos dois anos, no entanto, apenas três foram demitidos por incompetência, e 45 por má conduta. Há 79 mil em atividade.
Diante da pressão cada vez mais contrária da opinião pública aos altos gastos com professores que não faziam nada, a prefeitura recuou e, no mês passado, pôs fim às salas, mas prometeu continuar os esforços para acelerar as demissões.
Para o diretor Baum, no entanto, maus professores nunca foram o maior problema. "A questão é o que fazer com os que não são ruins, mas também não são bons."
Ao mesmo tempo em que Nova York discute como demitir, há a preocupação em atrair talentos.

SALÁRIOS
Além de aumentar salários em 43% desde 2002, a prefeitura aderiu ao programa Teach for America (Ensine para a América), que recruta e treina jovens recém-saídos das melhores universidades do país para darem aulas por dois anos em escolas de áreas pobres.
Jonathan Munch, 23, é um desses profissionais. Formado em administração no ano passado pela Universidade Estadual de Ohio, ele recusou ofertas para ganhar o dobro do que recebe hoje (US$ 2.000 mensais).
"Às vezes, quando vejo minha conta, me pergunto se foi a decisão correta. Mas, por enquanto, quero trabalhar com crianças."
Os caminhos escolhidos por Nova York para melhorar a educação pública despertam interesse de educadores em todo o mundo. Afinal, ninguém foi tão longe na tentativa de adaptar um modelo de negócios para a realidade de um sistema educacional.
Na opinião de Henry Levin, titular da Faculdade de Professores da Universidade Columbia, ainda é preciso mais tempo para avaliar melhor erros e acertos de Bloomberg. "Apesar do barulho, as escolas tendem a seguir seu rumo, e as mudanças acontecem de forma mais lenta", diz Levin.
Kevin Hesseltine, 35, professor há 12 anos na rede, reforça o argumento de Levin com outras palavras: "Quando fecho a porta da sala, sou apenas eu e os estudantes"

Um comentário:

  1. Hoje, com a experiencia de quem foi dirigente em governos e na escola, acredito que sem investimento em bons salarios, fixação de jornada ded trabalho compativel ao esforço e formação necessaria a superação dos desafios, parceria com universidades e centros de formação, teremos muito que amargurar com maus resultados. A autonomia da escola passa por autonomia plena, financeira e pedagógica.

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