domingo, maio 16, 2010

NENHUMA CRIANÇA FORA DA ESCOLA

AMIGOS E AMIGAS,

UMA CAUSA MAIS QUE NOBRE, É A GARANTIA DESTE DIREITO INALIENAVEL A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA E UMA SOCIEDADE MELHOR, MAS JUSTA.

É UM DIREITO CONSTITUCIONAL, INACEITAVEL COMO CONDIÇÃO SOCIAL!

NOVA ESCOLA

Edição 232 | Maio 2010

Como manter todos na escola

É fácil culpar o aluno pelo abandono, mas o desafio de diminuir os índices de evasão exige que a escola repense suas práticas cotidianas

Rodrigo Ratier (rodrigo.ratier@abril.com.br)

=== PARTE 1 ====

Montagem Mariana Coan sobre foto Marco de Bari

NENHUM A MENOS Para atrair, a escola deve ser um local de acolhida e de aprendizado.
Montagem Mariana Coan sobre foto Marco de Bari

Mais sobre evasão escolar

Reportagens

Imagine por um instante o momento mais agudo da aula mais difícil. Meia dúzia de alunos dormem nas últimas fileiras. Um trio troca mensagens de celular. Dois meninos se estapeiam. Uma turma discute sobre futebol. Nas primeiras carteiras, só um pequeno e compassivo grupo se esforça para prestar atenção naquilo que você, aos berros, tenta dizer. Nessas horas, um pensamento emerge: "Gostaria de ensinar apenas para os que querem aprender. Quem não está a fim que saia. Será melhor assim!"

Não será. O desafio de ser professor exige educar todos, sem exceção. O Brasil, por enquanto, está perdendo essa batalha. É verdade que os índices de acesso à Educação avançaram nas últimas três décadas (97,6% das crianças e dos adolescentes entre 7 e 14 anos estão na escola). Mas os indicadores de permanência - a taxa de abandono, que mostra os que não concluíram o ano letivo, e a de evasão, que aponta os que não se matricularam no ano seguinte - não caminharam no mesmo ritmo. Hoje, de cada 100 estudantes que ingressam no Ensino Fundamental, apenas 36 concluem o Ensino Médio (veja o gráfico na página 3).

Responsabilizar o aluno pelo abandono é a saída mais fácil. Na verdade, ele é o menos culpado. Pesquisas indicam que existem dois conjuntos de fatores que interferem no abandono escolar. O primeiro deles é o chamado risco social. Fatores como a condição socioeconômico e o lugar de residência podem aumentar a pressão para a desistência: com a necessidade de complementar a renda familiar, muitos jovens são atraídos pelo trabalho precoce e largam os livros. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2007, apenas 21,8% dos adolescentes que têm ocupação continuam indo às aulas.

Entretanto, os estudos mostram que a própria escola colabora para agravar a evasão. Os altos índices de repetência exercem um papel fortíssimo - longe de sua faixa etária original, o aluno se sente desmotivado a seguir aprendendo (o assunto é tão importante que merecerá um artigo no mês que vem). A miopia para enxergar o problema atrapalha. Em geral, a interrupção dos estudos é o passo final de um processo que deixa sinais. O primeiro costuma ser o desinteresse em sala. Indisciplina e atos de violência também são comuns. Logo começam as faltas, cada vez mais frequentes. Por fim, a ausência definitiva.

Também são recorrentes, sobretudo entre os jovens, as queixas de que a escola "não serve para nada". Estudioso da relação entre os jovens e o saber, o pesquisador francês Bernard Charlot descobriu que a maioria só vê sentido em ir à escola para conseguir um diploma, poder ganhar dinheiro num emprego ou ter uma vida tranquila no futuro. Como predomina a ideia de um aprendizado sem sentido, muitos se desestimulam e desistem. O relatório Motivos da Evasão Escolar, da Fundação Getulio Vargas (FGV), aponta que o desinteresse é a causa principal da saída definitiva para adolescentes entre 15 e 17 anos.

Fica claro que a escola precisa olhar para si própria. Do ponto de vista da gestão, uma providência essencial é atacar as causas da evasão. O acompanhamento eficiente da frequência - que também deve estar na pauta das reuniões pedagógicas - ajuda a mapear o problema e identificar os motivos das faltas. Dependendo da razão, é possível escolher a melhor forma de reverter o quadro: conversas com pais e alunos, visitas às famílias, aulas de reforço e campanhas internas e na comunidade. O tom deve ser de parceria e acolhimento, nunca de punição.

Suspensões e expulsões podem ser rediscutidas. A ideia é simples: se a indisciplina é um dos caminhos que levam à evasão, não faz sentido punir o aluno impedindo que ele vá à escola. Em vez disso, é possível pensar em medidas que modifiquem a rotina do estudante, mas que o mantenham na instituição - estudar sozinho, com a obrigação de acompanhar o conteúdo, é uma alternativa.

Ninguém fica de fora

Saiba como você, gestor, pode proceder para combater a evasão e garantir a presença de todos os alunos na sala de aula

Noêmia Lopes (gestao@atleitor.com.br)

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=== PARTE 1 ====

Ilustração: Estudio Rabisco

Ilustrações: Estudio Rabisco

As aulas já começaram há algumas semanas e, a esta altura, os alunos estão adaptados e as atividades escolares, em pleno curso. Mas você já conferiu se todos os matriculados estão realmente frequentando as classes ou se há alguém que falta regularmente ou nem sequer apareceu?

O problema do abandono dos estudos e da evasão preocupa os educadores e responsáveis pelas políticas públicas. De acordo com o Ministério da Educação (MEC), a evasão atinge 6,9% no Ensino Fundamental e 10% no Ensino Médio (3,2 milhões de crianças e jovens, segundo dados de 2005). São mais 2,9 milhões (dados de 2007) que abandonam as aulas num ano e retornam no seguinte, engrossando outro índice preocupante: o da distorção idade e série.

Há muitos motivos que levam o aluno a deixar de estudar - a necessidade de entrar no mercado de trabalho, a falta de interesse pela escola, dificuldades de aprendizado que podem acontecer no percurso escolar, doenças crônicas, deficiências no transporte escolar, falta de incentivo dos pais, mudanças de endereço e outros. Para serem minimizados, alguns desses problemas dependem de ações do poder público. Outros, contudo, podem ser solucionados com iniciativas tomadas ao longo do ano pelos gestores escolares e suas equipes (veja as ilustrações desta reportagem), que têm a responsabilidade de assegurar as condições de ensino e aprendizagem - o que, obviamente, se perde quando a criança não vai à aula.

Além disso, como diz Maria Maura Gomes Barbosa, coordenadora pedagógica do Centro de Educação e Documentação para Ação Comunitária (Cedac) e consultora de NOVA ESCOLA GESTÃO ESCOLAR, "o acompanhamento da frequência é necessário para que a escola possa atender com qualidade e equidade, planejar e organizar a formação e a atribuição das classes e organize as salas e para que o gestor tenha elementos para analisar adequadamente o movimento na instituição e o andamento do processo de ensino e aprendizagem dos alunos".

Ilustração: Estudio Rabisco

Também pode ser levado em consideração o impacto que o abandono e a evasão certamente provocam no orçamento de uma rede, já que a distribuição dos investimentos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) é feita de acordo com o número de alunos que efetivamente estão matriculados e frequentam a escola.

O controle das ausências dos alunos gera benefícios muito além dos recursos financeiros às redes de Ensino. Isso porque, quando cada diretor age em sua escola e, depois, compartilha dados de evasão e abandono com os demais diretores, é possível tomar providências em conjunto. De acordo com Maura, "é preciso cuidar para que as medidas não sejam personalizadas e que os gestores contem com a orientação da Secretaria de Educação para atuar em rede".

Nenhum a menos. Sem exceção!

Arthur Guimarães (Arthur Guimarães)

Cristiane Alves de Lima completou 7 anos em 2007. Onde mora, no seringal Iracema, na zona rural de Xapuri, a 190 quilômetros de Rio Branco, a menina não teve festa nem bolo no dia do aniversário. E ainda deixou de ganhar um valioso presente: não foi matriculada na escola. Neste ano, a situação se repetiria se dependesse apenas da família. Mas a Secretaria da Educação local descobriu que ela e dois irmãos – Antônio José, 13 anos, e Cleusa, 11 – ficavam em casa ou ajudavam o pai, o seringueiro Francisco de Assis Alves de Lima, nas coletas na floresta. Dois coordenadores pedagógicos foram até o sítio da família e, depois de muita conversa (e uma dose de pressão), convenceram Francisco de que não só o ensino é importante, mas que ele tem responsabilidades legais por não levar os filhos às aulas – segundo a Constituição, os pais ou responsáveis podem até ser detidos em situações desse tipo.

Não fosse a ação firme dos agentes da secretaria, Cristiane e seus irmãos continuariam a fazer parte dos 2,4% de brasileiros entre 7 e 14 anos que estão fora da escola. A porcentagem parece pequena, mas representa 660 mil crianças e jovens, um número respeitável se pensarmos no discurso oficial de que já alcançamos a universalização do Ensino Fundamental. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, feita em 2006 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que os estados do Norte e do Nordeste têm os piores índices de exclusão. E o Acre é o líder desse triste ranking (confira a lista completa no quadro abaixo).

A exclusão no Brasil

Na lista abaixo, a porcentagem, por estado, de crianças que ainda estão fora da escola

Acre - 6,0%
Alagoas - 4,1%
Amapá - 2,7%
Amazonas - 3,3%
Bahia - 2,7%
Ceará - 2,5%
Distrito Federal - 1,3%
Espírito Santo - 2,4%
Goiás - 1,9%
Maranhão - 3,4%
Mato Grosso - 2,4%
Mato Grosso do Sul - 2,1%
Minas Gerais - 2,6%
Pará - 4,6%
Paraíba - 2,9%
Paraná - 2,0%
Pernambuco - 4,0%
Piauí - 2,2%
Rio de Janeiro - 1,6%
Rio Grande do Norte - 3,5%
Rio Grande do Sul - 1,6%
Rondônia - 4,3%
Roraima - 2,6%
Santa Catarina - 1,0%
São Paulo - 1,2%
Sergipe - 2,9%
Tocantins - 2,4%

Essa estatística inclui tanto os que largaram os estudos quanto os que nem chegaram a ser matriculados. "As principais causas para a não-escolarização, em ambos os casos, estão em questões famiiares e culturais, envolvimento com drogas ou com o trabalho precoce e a falta de transporte ou de documentação", explica Maria Lúcia Vieira, responsável pelo levantamento. A situação é ainda mais preocupante quando se cruzam esses dados com os de freqüência efetiva e com as taxas de repetência – e, assim, temos uma dimensão um pouco mais precisa do tamanho do buraco em que se encontra a Educação brasileira. Estudo conduzido no ano passado pelo Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV), do Rio de Janeiro, revela que apenas 72% dos estudantes matriculados nas escolas efetivamente estão nas classes. Os 28% restantes, embora tenham o nome na lista de chamada, faltam muito ou não assistem à jornada considerada mínima para o aprendizado (cinco horas diárias). "Ou seja, estudando realmente não tem tanta gente assim", conclui Marcelo Neri, responsável pela tabulação.

"O não-comparecimento é uma das principais causas de repetência e desencadeia outros problemas, como a distorção idade-série, o abandono e a evasão", completa Zaia Brandão, do Grupo de Pesquisa em Sociologia da Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. De fato, relatório finalizado em abril pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) aponta que 53,8% dos que iniciam o 1º ano não chegam ao 9º. Desses, uma pequena parcela volta às salas de aula de Educação de Jovens e Adultos.

Daí ser importante articular as políticas públicas para garantir que 100% de nossas crianças e nossos jovens não só estejam efetivamente estudando como aprendendo e se desenvolvendo. A tarefa não é fácil. Três são os principais problemas para avançar nessa direção e superar as dificuldades a fim de construir uma escola de qualidade: o trabalho infantil, a ignorância das famílias que não valorizam o ensino e questões ligadas a violência, drogas e pobreza. Nesta reportagem, você conhecerá algumas soluções – como a encontrada em Xapuri – para desatar esses nós.

O vilão nº 1: trabalho infantil

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), 20% dos alunos em idade escolar param de estudar por exercer uma atividade remunerada. Para minimizar o problema, o governo vinculou programas de transferência de renda para a população carente (como o Bolsa Família) à matrícula das crianças em idade escolar. Isso deveria incentivar os pais a manter os filhos na sala de aula. Números do IBGE, no entanto, mostram que ainda há um longo caminho a percorrer: nos domicílios que não recebem o benefício, 2,1% das crianças estão fora da rede, e esse número chega a 2,8% entre os que começaram o ano recebendo o dinheiro (se os filhos faltarem por meses consecutivos, a ajuda é suspensa no ano seguinte). "Infelizmente, o desenvolvimento econômico não puxa o social na mesma proporção e ritmo. Por isso, o progresso do país não basta para resolver a questão", analisa Renato Mendes, coordenador da OIT. "Precisamos de crescimento local sustentável para que os adultos tenham emprego e não usem a força de trabalho dos filhos." Entre os 5 e os 13 anos, existem 4,5% de brasileirinhos na labuta – cerca de 1,4 milhão. Geralmente eles são empregados eventuais, que faltam um ou dois dias às classes, de forma irregular, como revela a pesquisa da FGV e da Unesco. "Existe a falsa impressão de que a criança assiste às aulas, mas é óbvio que a atividade remunerada atrapalha o desempenho e desestimula os estudos", diz Mendes.

Em Arapiraca, a 140 quilômetros de Maceió, a indústria do fumo é forte e marcada pelo emprego do trabalho infantil. Meninos como Rafael da Silva, 14 anos, ganhavam para "destalar" as folhas (arrancar os talos) e "desolhar" os pés de fumo (tirar os brotos para garantir o crescimento normal da planta). Na primeira metade do ano, a mão-de-obra infantil era requisitada no contraturno, em casa ou na fábrica. No segundo semestre, porém, havia debandada geral, pois parte dos estudantes seguia com os parentes para o interior a fim de ajudar na colheita.

Para transformar essa realidade, a prefeitura passou a construir escolas de tempo integral. O projeto, iniciado no ano passado, conseguiu reduzir de 16% para zero a média de evasão nas unidades que adotaram o sistema. Uma delas, a EM Zélia Barbosa Rocha, fica no prédio de uma antiga fábrica de fumo (onde Rafael estuda hoje). A principal sala de manufatura de fumo de corda virou um teatro, palco das aulas de caratê e circo. Os outros departamentos se tornaram salas para abrigar as classes regulares. Os familiares, que antes viam a criança como "mão-de-obra mirim desocupada", agora percebem que o ganho é maior no estudo. "Rafael tirava 50 ou 60 reais por mês. Aprendemos a viver sem esse dinheiro porque percebemos que ele está melhor e mais feliz aqui", afirma a mãe, Claudênia da Conceição. Em 2009, cinco unidades devem funcionar em período integral em Arapiraca.

Dar mais valor à Educação

Nas regiões carentes, sobretudo na zona rural, a principal causa do não-comparecimento à escola é a pouca importância que as famílias dão à Educação, como no caso de Francisco Lima, citado no início do texto. Essa situação se traduz num misto de falta de informação, descrédito no governo e comodismo: "Vai pra escola pra quê? Tem necessidade?" Só um trabalho de convencimento, como o feito em Xapuri, dá resultados. Informações sobre as possíveis sanções legais também ajudam. "Raramente pais que não estudaram dão importância à escola, por isso é preciso conversar e fazê-los mudar de idéia", diz Roberto de Figueiredo Caldas, presidente da Comissão Nacional de Direitos Sociais da Ordem dos Advogados do Brasil. Várias prefeituras adotam esse modelo de resgate individual. Equipes de educadores são designadas para localizar as crianças que estão fora do sistema. Para isso, as estratégias vão desde o cruzamento das matrículas atuais com as do ano anterior até a verificação de mapas demográficos. O boca-a-boca também é útil, pois vizinhos e pessoas conhecidas da família ajudam a localizar os pais que mantêm as crianças longe das classes. O trabalho é de formiguinha mas dá resultado: Xapuri, que em 2006 tinha 30 alunos fora da escola, já resgatou 23, entre eles os três filhos de Francisco.

O resgate da situação de rua

Nas grandes cidades, o nó é igualmente dfícil de desamarrar. Muitas vezes, a realidade que as crianças mais pobres vivem em casa – violência doméstica, drogas, prostituição e desemprego – faz com que elas prefiram uma solução cruel: morar embaixo de um viaduto, dentro de um túnel, sob uma marquise. Os jovens fogem da família, da escola e do bairro e se tornam os chamados meninos e meninas em situação de rua. Conselheiros tutelares e agentes da prefeitura se esforçam para levar esses menores para abrigos. Mas às vezes o atendimento para por aí, quando o objetivo maior deveria ser levá-los novamente para a comunidade.

São Paulo trabalha para provar que esse resgate é possível. Graças a uma parceria com o Projeto Quixote, instituição que atua para consolidar o rematriamento (neologismo criado para expressar a volta para a mãe), assistentes sociais empreendem um longo esforço para se aproximar dos jovens e, pouco a pouco, obter informações pessoais, principalmente o endereço da casa deixada para trás. "Muitos não são viciados. Mas às vezes usam entorpecentes para esquecer o passado traumático", afirma Isabel Ferreira, do Quixote. O primeiro contato pode demorar meses. Quando ele acontece, duas ações correm paralelamente: enquanto o menor é convidado – mas nunca forçado – a ir para um abrigo temporário (e, com o tempo, retomar os estudos), a família é procurada pelos assistentes sociais. "Com tratamento psicológico e longe das ruas, é possível que ele volte para casa e seja matriculado na escola mais próxima", explica Auro Lescher, coordenador-geral da entidade. "Da mesma forma, os familiares tendem a nos tratar melhor quando sabem que conhecemos o filho, e assim fica mais fácil prosseguir o rematriamento", relata Isabel.

Inicia-se aí uma fase em que diversos órgãos e entidades são mobilizados. O conselho tutelar e as secretarias de Assistência Social, Saúde e Educação passam a atuar em conjunto. O apoio estruturado aos pais pode incluir, além de tratamento médico ou psicológico, a oferta de micro-crédito e credenciamento em programas governamentais de reinserção no mercado de trabalho. Quando a família tem condições favoráveis de convívio, o menor permanece em casa. Em três anos de atuação, o Quixote atendeu mil crianças, encontrou 200 famílias e reintegrou 30 jovens à escola. Em média, o processo todo demora cerca de um ano. Pela complexidade do problema, os números ainda são tímidos, mas apontam para uma possível solução para as metrópoles. De um em um, o Brasil pode, sim, conquistar a tão almejada universalização de fato do Ensino Fundamental, sem deixar nem um aluno fora da escola.

RESGATE DOMICILIAR DE QUEM MORA LONGE

Foto: Odair Leal

Foto: Odair Leal

Francisco Alves de Lima foi categórico ao ser abordado pelo professor Everaldo Nunes, que visitou o seringueiro no interior de Xapuri, no Acre, para convencê-lo a mandar a filha Cristiane (no colo), de 8 anos, e seus irmãos para a escola: "Este ano não estava pensando em matricular, não". Para combater a falta de informação e a ignorância sobre a importância da Educação, funcionários da prefeitura local percorrem a floresta, convencendo famílias a inserir as crianças no sistema de ensino. Depois de muito papo, os filhos de Francisco passaram a ser alunos da EM Novo Horizonte.

MUITO LONGE DO TRABALHO INFANTIL

Foto: Gianpiero Gadotti

Foto: Gianpiero Gadotti

Até o ano passado, Rafael da Silva estudava de manhã e, depois do almoço, passava a tarde fazendo fumo de corda em Arapiraca, no interior de Alagoas. "Era um mau cheiro... Eu saía de lá zonzo", lembra. Essa era sua rotina no primeiro semestre, porque no segundo ele pouco aparecia na escola. Rafael viajava com a mãe para o interior para ajudá-la na colheita de fumo e assim aumentar a renda da família. Desde 2007, quando ingressou na EM Zélia Barbosa Rocha, ele passa as tardes treinando caratê no teatro da escola, salão que um dia já foi palco do trabalho infantil que o deixava afastado dos estudos.

A VOLTA PARA CASA E PARA A ESCOLA

Foto: Tatiana Cardeal

Foto: Tatiana Cardeal

Isabel Ferreira, assistente social do Projeto Quixote, trabalha no centro de São Paulo. Nas ruas. Sua função é aproximar-se dos menores que perambulam por lá. Sem pressa e com muito carinho, ela cria vínculo com eles e descobre de onde vieram. O passo seguinte é conversar com os familiares. Isabel já encontrou todo tipo de tragédia doméstica. Enquanto os pais são levados para o serviço social, o menor fica em abrigo temporário. "Já tirei um pai bêbado de casa e levei-o para o hospital. Ele se curou, voltou a trabalhar, e o ex-menino de rua agora dorme em casa e freqüenta a escola."

Ainda resta a Justiça

Quando escola, governo e família não convencem os jovens a estudar, a Justiça pode ser acionada. Conselhos tutelares e o Ministério Público, via promotorias da infância e da juventude, têm a função de garantir os preceitos constitucionais. O trabalho, no entanto, deixa a desejar: "Falta ampliar o alcance das ações e aumentar o número de agentes para atender a realidades distintas", avalia Roberto Caldas, da Ordem dos Advogados do Brasil. Mas conselheiros tutelares e promotores de Justiça sofrem para combater a evasão. "Temos formação apenas jurídica. Por isso buscamos conhecer mais sobre Educacão, psicologia e outras áreas que nos ajudem nesse trabalho", assume Helen Sanches, diretora da Associação Brasileira de Magistrados e Promotores da Infância e da Juventude e promotora em Lages, a 250 quilômetros de Florianópolis. "Às vezes, o promotor obriga o jovem a voltar à escola sem saber que ele pode ser colocado em série incompatível com a sua idade." Em Santa Catarina, as ações estão cada vez mais integradas. Na comarca em que a promotora atua, se um estudante falta por mais de sete dias, a coordenação pedagógica manda um aviso ao Conselho Tutelar, que procura a direção para entender o motivo do afastamento antes de agir – problemas familiares ou questões internas (briga com professor ou colega ou o não-acompanhamento dos conteúdos). Quando o caso chega ao Ministério Público, começa o trabalho de convencimento dos familiares, envolvendo psicólogos, agentes sociais e escola. Apesar das dificuldades, com bom senso, instrução e seriedade ainda é possível perseguir a universalização.

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